A África está sendo desmembrada.
Há séculos. Há milhões de anos.
Homens exploram o continente como
se raspa um prato amiúde. Com facas afiadas e negócios escusos. Casos como os de
Virunga e Queensway fazem com que não nos esqueçamos de que a colonização é
mais recente do que nunca. O imperialismo está no seu auge. Fronteiras se
perdem em meio à impérios multinacionais, os quais, injustamente, ganham a
alcunha de empresas. São senhores escravagistas sem nacionalidade. Sedentos
tratores desembestados. Sangrar o continente em busca da pedra preciosa ou do
ouro negro é prática corriqueira.
As maiores forças da Terra abrem
fissuras no continente às quais damos o nome de riftes. Nestes, se formam rios
caudalosos e lagos que trazem algo de esperança - estão ali o Lago
Victoria, Tanganyika e Malawi. A Terra
parece ter mais complacência com o continente mais antigo do mundo do que os
próprios homens. Se hoje ela faz com que se separem três blocos, pode ser
que o processo cesse à certa altura e não mais evolua. À estrutura formada, os
geólogos dão o nome de rifte abortado ou aulacógeno. Mas esta evolução depende
de uma dinâmica complexa que envolve massas continentais de forças
inimagináveis e velocidades imperceptíveis para o olho humano. A esta dinâmica
se somam processos no interior do manto rochoso terrestre que pouco conhecemos.
Os homens mais poderosos da Terra
abrem feridas no continente às quais damos o nome de desigualdade. Os dois
países africanos que produzem mais petróleo – Angola e Nigéria – figuram entre
os dez países com maior mortalidade infantil no mundo. Um continente com tanta
riqueza em seu subsolo parece não reter em si o desenvolvimento trazido a
partir destes bens. O continente tem um terço do urânio mundial, metade do
ouro, dois terços dos diamantes e 10% das reservas estimadas de petróleo. Tem,
também, uma localização privilegiada com acesso aos oceanos Atlântico e Índico.
Por outro lado, os índices de analfabetismo, fome, epidemias, miséria e a
quantidade de conflitos armados são alarmantes. O contraste entre estes dois
cenários é absurdo.
A abertura dos braços de rios e
lagoas no leste africano fizeram com que se formassem áreas rebaixadas em
relação ao entorno, ou seja, regiões que passaram a receber grande aporte de
sedimentos carreados pelo vento, água e gravidade. Por ser uma área de
concentração de sedimentos, trata-se também de um ótimo sítio para acúmulo de
ossos e matéria orgânica que viriam a constituir fósseis nos tempos mais recentes.
E foi justamente ali que encontramos Lucy, nossa ancestral de 3,2 milhões de
anos de idade – considerada um dos hominídeos mais antigos do mundo. E é tão
curioso que tenham dado este nome por conta da música que tocava no acampamento
aonde ocorreu a descoberta: Lucy in the Sky with Diamonds, uma canção cujo título
remete ao próprio continente africano e sua história.
Enquanto a Terra tenta criar
novas placas tectônicas na África, o Homem tenta criar novas formas de explorá-la. Se os geólogos e outros cientistas fazem esforços
imensos para conhecer o interior do planeta Terra, parece que pessoas fazem
esforço mínimo para conhecer seu próprio interior.
A África está sendo disjungida.
Dilacerada. Diariamente.