sábado, 30 de maio de 2015

África: Lição de Geologia e Desumanidade




A África está sendo desmembrada. Há séculos. Há milhões de anos.

Homens exploram o continente como se raspa um prato amiúde. Com facas afiadas e negócios escusos. Casos como os de Virunga e Queensway fazem com que não nos esqueçamos de que a colonização é mais recente do que nunca. O imperialismo está no seu auge. Fronteiras se perdem em meio à impérios multinacionais, os quais, injustamente, ganham a alcunha de empresas. São senhores escravagistas sem nacionalidade. Sedentos tratores desembestados. Sangrar o continente em busca da pedra preciosa ou do ouro negro é prática corriqueira.

As maiores forças da Terra abrem fissuras no continente às quais damos o nome de riftes. Nestes, se formam rios caudalosos e lagos que trazem algo de esperança - estão ali o Lago Victoria,  Tanganyika e Malawi. A Terra parece ter mais complacência com o continente mais antigo do mundo do que os próprios homens. Se hoje ela faz com que se separem três blocos, pode ser que o processo cesse à certa altura e não mais evolua. À estrutura formada, os geólogos dão o nome de rifte abortado ou aulacógeno. Mas esta evolução depende de uma dinâmica complexa que envolve massas continentais de forças inimagináveis e velocidades imperceptíveis para o olho humano. A esta dinâmica se somam processos no interior do manto rochoso terrestre que pouco conhecemos.

Os homens mais poderosos da Terra abrem feridas no continente às quais damos o nome de desigualdade. Os dois países africanos que produzem mais petróleo – Angola e Nigéria – figuram entre os dez países com maior mortalidade infantil no mundo. Um continente com tanta riqueza em seu subsolo parece não reter em si o desenvolvimento trazido a partir destes bens. O continente tem um terço do urânio mundial, metade do ouro, dois terços dos diamantes e 10% das reservas estimadas de petróleo. Tem, também, uma localização privilegiada com acesso aos oceanos Atlântico e Índico. Por outro lado, os índices de analfabetismo, fome, epidemias, miséria e a quantidade de conflitos armados são alarmantes. O contraste entre estes dois cenários é absurdo.

A abertura dos braços de rios e lagoas no leste africano fizeram com que se formassem áreas rebaixadas em relação ao entorno, ou seja, regiões que passaram a receber grande aporte de sedimentos carreados pelo vento, água e gravidade. Por ser uma área de concentração de sedimentos, trata-se também de um ótimo sítio para acúmulo de ossos e matéria orgânica que viriam a constituir fósseis nos tempos mais recentes. E foi justamente ali que encontramos Lucy, nossa ancestral de 3,2 milhões de anos de idade – considerada um dos hominídeos mais antigos do mundo. E é tão curioso que tenham dado este nome por conta da música que tocava no acampamento aonde ocorreu a descoberta: Lucy in the Sky with Diamonds, uma canção cujo título remete ao próprio continente africano e sua história.

Enquanto a Terra tenta criar novas placas tectônicas na África, o Homem tenta criar novas formas de explorá-la. Se os geólogos e outros cientistas fazem esforços imensos para conhecer o interior do planeta Terra, parece que pessoas fazem esforço mínimo para conhecer seu próprio interior.

A África está sendo disjungida. Dilacerada. Diariamente.

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